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DOR LOMBAR & FISIOTERAPIA

Publicado a 14/02/2019

Transcrição do texto reproduzido na "fisio" Nº25 JULHO 2018, revista da APFisio. Aceda AQUI.

Recentemente, uma das principais revistas científicas internacionais, a Lancet, lançou diversos artigos dedicados ao tema da dor lombar. A elevada incidência, prevalência e impacto socioeconómico desta condição de saúde a nível global justifica largamente esta reflexão promovida por esta conceituada revista. Relativamente ao contexto português, dados recentes apontam para que a prevalência de dor lombar seja de 26.4% e de 10.4% no caso da dor lombar crónica. No caso da dor lombar crónica, há a salientar a sua forte associação a sintomas de ansiedade, antecipação da idade da reforma e a um elevado recurso aos cuidados de saúde.

Haveria certamente um abrangente número de hipóteses que poderiam ajudar a explicar as razões para a dimensão deste problema. No entanto, os vários autores optam por discutir, em parte, o papel dos profissionais de saúde no controlo (ou não) deste problema. Vejamos que uma das principais recomendações é que os profissionais devem alterar a sua prática, abandonando intervenções inefetivas e que contribuem para o agravamento da condição. Desta recomendação pode ser concluído que a prática clínica comum é ainda caracterizada pela aplicação de modalidades não efetivas e que, para espanto, podem estar a contribuir para o problema. Aparentemente, em pleno século XXI, os profissionais de saúde continuam a não seguir as recomendações das normas de orientação clínica, sendo este um problema dos países em desenvolvimento, mas igualmente dos países com sistemas de saúde mais modernos. Existe, assim, um considerável distanciamento entre conhecimento científico sobre como prevenir, avaliar e intervir na dor lombar, e o que realmente acontece na prática clínica.

Na ótica do utente, podemos dizer que este paga cuidados de saúde que pouco ou nada contribuem para a melhoria e prevenção do seu problema e ainda se arrisca a ser ludibriado com métodos de diagnóstico (exames modernos, mas que frequentemente não fazem mais que aumentar a sua preocupação – injustificadamente – e fomentar o recurso aos cuidados de saúde) e tratamentos inúteis que acarretam mais custos e, em alguns casos, mais riscos. Para que melhor se compreenda, é claramente descrito nesta série de artigos científicos que intervenções tão comuns como medicação, injeções, cirurgia ou aconselhamento de repouso devem ser utilizados com muita prudência. Em parte, a opção por estas e outras intervenções é baseada nos resultados dos exames imagiológicos, nos quais as alterações identificadas apresentam pouca ou nenhuma relação com os sintomas do utente e não são mais do que as alterações típicas e normais do envelhecimento humano. Todo este racional é claramente sustentado em décadas de investigação.

Certamente que os profissionais de saúde devem alterar as suas rotinas e implementar uma prática informada pela evidência científica. Certamente que mais e melhores condições devem ser dadas aos profissionais para tal ser possível. Certamente que novas medidas e políticas públicas de saúde devem ser estrategicamente desenvolvidas e implementadas. Todos estes serão importantes passos para minimizar o impacto da dor lombar nos nossos utentes e na sociedade em geral. Mas há uma questão que deve ser discutida: estará nos profissionais de saúde e no sistema de saúde regulado o foco de todos os problemas? Globalmente, a maioria das profissões de saúde em Portugal estão reguladas pelas suas ordens profissionais (nem todas) que podem e devem contribuir para a melhoria das práticas nesta condição de saúde, atualização contínua de conhecimentos dos profissionais e implementação de práticas informadas pela ciência. Porém, o que fazer com aqueles que não são profissionais de saúde e que, através da usurpação de funções, ocupam um importante espaço na prestação de pseudo-cuidados em utentes com dor lombar?

Se é verdade que é difícil imaginar um não médico a realizar uma cirurgia lombar ou um utente ter acesso a opiáceos sem prescrição médica (nestas áreas, a segurança do utente e a prática qualificada parece estar assegurada), mais fácil será perceber que a prestação de cuidados conservadores por não Fisioterapeutas é algo que se tornou vulgar no nosso país. Será importante reforçar que as intervenções de primeira linha para a dor lombar fazem parte, maioritariamente, do corpo de competências dos Fisioterapeutas e têm um papel determinante e cientificamente demonstrado no tratamento da dor lombar e prevenção da dor lombar crónica, que tantos custos pessoais e sociais trazem consigo. Uma regulação efetiva da Fisioterapia torna-se urgente. A sociedade e os utentes com dor lombar agradecem.

 

GIFME, 20 de Maio de 2018

 

BIBLIOGRAFIA DE APOIO:

  1. GBD. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 310 diseases and injuries, 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2016;388(10053):1545–602.

  2. Branco JC, Rodrigues AM, Gouveia N, Eusébio M, Ramiro S, Machado PM, et al. Prevalence of rheumatic and musculoskeletal diseases and their impact on health-related quality of life, physical function and mental health in Portugal: results from EpiReumaPt- a national health survey. RMD open. 2016;2(1):e000166.

  3. Gouveia N, Rodrigues A, Eusébio M, Ramiro S, Machado P, Canhão H, et al. Prevalence and social burden of active chronic low back pain in the adult Portuguese population: results from a national survey. Rheumatol Int. 2016;36(2):183–97.

  4. Foster NE, Anema JR, Cherkin D, Chou R, Cohen SP, Gross DP, et al. Prevention and treatment of low back pain: evidence, challenges, and promising directions. Lancet (London, England). 2018;0(0).

  5. Buchbinder R, Tulder M van, Öberg B, al.  et. Low back pain: a call for action. Lancet. 2018;6736(18):1–5.

  6. Hartvigsen J, Hancock MJ, Kongsted A, Louw Q, Ferreira ML, Genevay S, et al. Low Back Pain 1: What low back pain is and why we need to pay attention. Lancet. 2018;0(0).

Captura de ecrã 2019-02-14, às 21.46.55.
Captura de ecrã 2019-02-14, às 21.47.13.
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