GIFME
Grupo de Interesse em Fisioterapia Músculo-Esquelética
Publicado a 23/11/2022
Ao longo dos últimos anos temos assistido a uma crescente e injustificada promoção e integração de estratégias invasivas em programas de intervenção em Fisioterapia Músculo-Esquelética em Portugal, celebrizadas sob o conceito de “Fisioterapia Invasiva”. Esta é uma questão problemática em várias dimensões.
Em primeira análise, pela total ausência de enquadramento deste tipo de procedimentos no corpo de competências do Fisioterapeuta e no âmbito da Fisioterapia no contexto específico de Portugal. É certo que em alguns países, por exemplo no Reino Unido, ocorreu uma extensão do corpo de competências do Fisioterapeuta a alguns procedimentos invasivos (inclusivamente ecoguiados). Contudo, tal resultou de todo um processo devidamente planeado visando responder a carências específicas da prestação de cuidados de saúde, envolveu consensos interprofissionais, formação regulada e critérios de acesso e renovação. Este processo não ocorreu em Portugal, o que coloca estes procedimentos num total desenquadramento com a profissão e também em risco real de representarem usurpação de funções
A problemática que envolve estas intervenções estende-se, de forma não menos importante e essencial, ao domínio técnico-científico. Falamos de um conjunto de procedimentos:
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Que apresentam um grau de plausibilidade biológica associado questionável;
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Das quais se desconhece a real extensão do risco associado, colocando em causa a segurança das pessoas que procuram tais cuidados;
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Que não apresentam eficácia, efetividade e relação risco e custo-benefício comprovados, em literatura científica de qualidade, sejam estas inseridas em programas de intervenção multimodais ou não;
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Que estão em total desacordo com a melhor evidência conhecida e as recomendações clínicas atuais para a gestão de condições músculo-esqueléticas na sua globalidade.
Apesar dos pontos elencados anteriormente, assistimos a campanhas em que a apropriação de termos como “evidência” e “ciência” é constante, como se de um conjunto de estratégias de intervenção comprovadas cientificamente se tratasse. Constata-se inclusivamente a criação de aparentes “sociedades científicas” numa tentativa de legitimação e enquadramento imediato deste conjunto de intervenções.
Eticamente, todo o processo de tornar este tipo de intervenções mais “científico” e credível deverá ser alvo de escrutínio de toda a comunidade científica na área da Fisioterapia. Verifica-se que o que constitui a sua “base científica” são conjuntos de opiniões (“consensos”) obviamente sujeitos à influência de crenças e vieses vários e estudos de fraca qualidade metodológica, com falhas tão gritantes que nos levam a questionar a própria literacia científica dos seus autores (por exemplo, a utilização de desenhos de estudo que não permitem as próprias conclusões, tornando-as automaticamente falaciosas e rebuscadas).
Não deve deixar de nos colocar em alerta também o facto de existirem indícios que em nada abonam a favor de boas práticas no meio científico. Nomeadamente a publicação de “estudos” desenvolvidos ou apoiados repetidamente por formadores de tais modelos de intervenção que omitem os seus próprios conflitos de interesse, bem como a criação de revistas “científicas” a propósito, não indexadas até ao momento em bases de dados credíveis (como MedLine ou EMBASE) e em que estes mesmos formadores constituem o painel editorial como editores-chefe ou associados.
Um cenário comum, não exclusivo da Fisioterapia, mas francamente em repetição. Um conjunto de argumentos que de válidos, só têm aparência.
Fica claro que não existe suporte científico credível de que estas intervenções possam acrescentar valor em saúde e, portanto, nada acrescentam à prática da Fisioterapia Músculo-Esquelética atual.
Podem apresentar um risco potencial? Sim.
Risco que pode ultrapassar a segurança do utente, que se estende necessariamente para o seu Fisioterapeuta responsável e que se generaliza a toda a classe.
A identidade profissional e a credibilidade social dos Fisioterapeutas bem como a segurança das pessoas que procuram Fisioterapia estão assim ameaçadas pelas características destas práticas, designadamente: pela deposição de tempo e recursos financeiros e materiais em estratégias sem efetividade estabelecida e com risco potencial; pela brutal descaracterização da prática clínica da Fisioterapia em condições músculo-esqueléticas; pela potencial promoção da procura associada a tais práticas, assimetria de práticas e outros contributos para a iniquidade em saúde (nomeadamente em questões de acesso); pelas potenciais implicações legais por ausência de enquadramento específico deste conjunto de intervenções nas competências do Fisioterapeuta em Portugal.
Apelamos assim à não-conivência dos Fisioterapeutas, associações e entidades reguladoras da profissão com a promoção e normalização deste tipo de práticas.
GIFME, 23 Novembro 2022
Este Manifesto foi uma iniciativa da Direção do Grupo de Interesse em Fisioterapia Músculo-Esquelética (GIFME) da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas (APFISIO) e subscrito pelo Conselho Diretivo Nacional (CDN-APFISIO).
Direção GIFME
Daniela Costa; Presidente; Cédula Profissional (OF) nº 2928; MSc
Sérgio Neto; Vice-Presidente; Cédula Profissional (OF) nº 326; MSc
Vanessa Rua; Secretário; Cédula Profissional (OF) nº 3468; MSc
João Santos Neto; Secretário; Cédula Profissional (OF) nº 1429; MSc
Ricardo Dias; Tesoureiro; Cédula Profissional (OF) nº 1696; MSc
Diogo Pires; Vogal; Cédula Profissional (OF) nº 2420; PhD
Mesa da Assembleia Geral GIFME
Bárbara Duarte; Presidente; Cédula Profissional (OF) nº 95; MSc
Eduardo Pedro; Vice-Presidente; Cédula Profissional (OF) nº 614; MSc
João Moreira; Secretário; Cédula Profissional (OF) nº 543; MSc
Conselho Diretivo Nacional (CDN-APFISIO)
Maria João Bigode; Presidente; Cédula Profissional (OF) nº 1335
Sérgio Neto; Vice-Presidente; Cédula Profissional (OF) nº 326; MSc
Ricardo Dias; Tesoureiro; Cédula Profissional (OF) nº 1696; MSc
Patrícia Paulo; Secretário; Cédula Profissional (OF) nº 2168
Cristiana Mota; Secretário; Cédula Profissional (OF) nº 795
Este Manifesto foi igualmente subscrito pelos seguintes Fisioterapeutas:
Ana Casaca; Cédula Profissional (OF) nº 1107; Prática Clínica em Cuidados de Saúde Primários; Conselho Geral da Ordem dos Fisioterapeutas
Anabela Correia Martins; Cédula Profissional (OF) nº 4936; PhD; Professora Adjunta na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra – Instituto Politécnico de Coimbra
André Pinheiro Coelho; Cédula Profissional (OF) nº 89
André Ruivo; Cédula Profissional (OF) nº 68
Bernardo Pinto; Cédula Profissional (OF) nº 3744; MSc
Carlos Rodrigues; Cédula Profissional (OF) nº 3199
David Francisco; Cédula Profissional (OF) nº 974
Diogo Santos; Cédula Profissional (OF) nº 105; MSc
Eduardo Brazete Cruz; Cédula Profissional (OF) nº 2191; PhD; Professor Coordenador da Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal
Filipe Ferreira; Cédula Profissional (OF) nº 5320
Hermínia Ribeiro; Cédula Profissional (OF) nº 550
Hugo Couto; Cédula Profissional (OF) nº 3079; MSc; Prática Clínica no Hospital de Braga
João Noura; Cédula Profissional nº C-059277076
João Pedro Aguiar Domingues; Cédula Profissional (OF) nº 69
José Esteves; Cédula Profissional (OF) nº 605
Luís Capitão; Cédula Profissional (OF) nº 1865
Marco Jardim; Cédula Profissional (OF) nº 208; Professor Adjunto na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal
Maria da Lapa Rosado; Cédula Profissional (OF) nº 7257; PhD; Professora Adjunta e Coordenadora de Mestrado na Escola Superior de Saúde do Alcoitão
Patrícia Mendes; Cédula Profissional (OF) nº 1342
Paulo Jorge Cordeiro Gomes Pereira; Cédula Profissional (OF) nº 242
Pedro Reis de Almeida; Cédula Profissional (OF) nº 243; MSc; Prática Clínica e Pedagógica Privada
Ruben Santos; Cédula Profissional (OF) nº 521; MSc
Vera Lúcia Ferreira Martins Morgado; Cédula Profissional (OF) nº 7037; MSc
Vitor Hugo Azevedo; Cédula Profissional (OF) nº 2358; Prática Clínica no Hospital Egas Moniz; Conselho Geral da Ordem dos Fisioterapeutas
Vítor Manuel Barreiros Pinheira; Cédula Profissional nº C-007384076; Professor Adjunto na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias, do Instituto Politécnico de Castelo Branco