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FISIOTERAPIA MÚSCULO-ESQUELÉTICA:
O FUTURO NO PRESENTE

#5
MODELOS DE CUIDADOS EM FISIOTERAPIA MÚSCULO-ESQUELÉTICA BASEADOS EM FATORES DE PROGNÓSTICO

Publicado a 02/12/2021

As condições músculo-esqueléticas representam um impacto significativo não só a nível pessoal como também social e comunitário e os modelos de cuidados baseados no diagnóstico continuam a constituir a base tradicional da tomada de decisão em prática clínica. Neste modelo, as decisões clínicas são dicotómicas - o utente “tem” ou “não tem” determinada condição clínica – e a resposta a essa questão propõe-se a providenciar ao Fisioterapeuta os meios para organizar e interpretar um conjunto de informações fornecidas pelos sinais, sintomas e testes. É intuitivo compreender que o diagnóstico assume um papel essencial na presença de condições específicas, onde se reconhecem relações de causalidade mais linear, como no caso de uma fratura, por exemplo. Contudo o papel central do diagnóstico na prática clínica é desafiado pela robustez da evidência que demonstra que outros factores para além da presença/ausência da condição são importantes para definir o prognóstico e/ou os resultados potenciais das intervenções em Fisioterapia Músculo-Esquelética.

Nos casos em que esta problemática se encontra bastante bem expressa é em condições em que as pessoas apresentam sintomas variáveis, não-específicos, em que não é possível clinicamente identificar mecanismos patofisiológicos claros. É o exemplo da Lombalgia Inespecífica, a principal causa de anos perdidos por incapacidade no mundo. Estas condições, marcadas por uma grande heterogeneidade, são caracterizadas por uma interação complexa e não-linear entre diferentes fatores, biológicos, psicológicos e sociais. O tradicional diagnóstico (presença ou ausência da condição) não reflete esta heterogeneidade e a multiplicidade de fatores que contribuem para a apresentação destes utentes, e o grau de informação que providencia para informar a sua gestão, ainda que dentro do mesmo grupo de diagnóstico, é limitado. Não é de estranhar, portanto, que estes modelos de cuidados resultem, na melhor das hipóteses, em melhorias modestas ou a curto-termo, podendo não ser significativamente diferentes da evolução natural da condição. A esta questão acresce-se ainda a relação, traduzida na literatura, entre estes modelos de cuidados, o sobre-uso e a implementação de cuidados de baixo valor – que não beneficiam de forma significativa o utente, em que o risco de dano suplanta o benefício provável ou em que os custos adicionais associados às intervenções não providenciam benefícios proporcionais, colocando em causa também a sustentabilidade dos sistemas de saúde.

Nestes casos, modelos de prognóstico providenciam estruturas alternativas para a prática clínica. O prognóstico visa compreender a probabilidade de obter diferentes resultados, quais os fatores que predizem essas probabilidades, a melhor forma de estimar a probabilidade de um indivíduo obter diferentes resultados e como esta informação pode ser utilizada para orientar intervenções e aumentar o sucesso das mesmas. Modelar o prognóstico de um indivíduo pode basear-se num conjunto de informações relevantes, tanto clínicas quanto não clínicas e incorpora factores que, hoje em dia, se reconhecem como mais relevantes para prever a trajetória clínica do utente e os resultados da intervenção do que apenas a presença ou ausência de determinada condição. Este facto assume uma importância fundamental em face de estudos que demonstram que fatores ao longo do contínuo bio-psico-social são importantes preditores de prognóstico, bem como fatores modificadores do efeito das intervenções em Fisioterapia Músculo-Esquelética, como auto-eficácia, ansiedade, depressão, apoio ou estrato social, por exemplo.

A melhor evidência científica disponível suporta modelos de cuidados baseados em fatores de prognóstico e demonstra que refletem, de facto, de uma forma mais aproximada a variação do curso clínico de utentes com condições músculo-esqueléticas. Para a realidade da prática clínica parece ser, de facto, importante incluir estes indicadores, para além do diagnóstico, porque providenciam também informação mais precisa sobre o potencial do utente recuperar.

A nível de intervenção, modelos de cuidados estratificados têm-se demonstrado promissores no que à eficiência dos cuidados diz respeito – um conjunto de resultados significativos em face da sobrecarga representada pelas condições músculo-esqueléticas nos sistemas de saúde internacionalmente. O nível do risco do utente desenvolver trajetórias de incapacidade persistente é categorizado segundo fatores de prognóstico, e o objetivo é definir programas de intervenção que potencialmente beneficiam mais cada pessoa em cada categoria (baixo, médio e alto risco), o que nos permite aproximar da resposta à questão “quem é que beneficia do quê”.

Por estas razões, acompanhamos a sugestão da integração de modelos de cuidados baseados em fatores de prognóstico em Fisioterapia Músculo-Esquelética traduzida na literatura atual.

Estamos prontos?

Inês Charrua Santos

Fisioterapeuta

Assistente Convidada no Instituto Politécnico de Setúbal - Escola Superior de Saúde

João Santos Neto

Fisioterapeuta

Grupo de Interesse em Fisioterapia Músculo-Esquelética (GIFME-APFISIO)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

Aasdahl, L., Granviken, F., Meisingset, I. et al. Recovery trajectories in common musculoskeletal complaints by diagnosis contra prognostic phenotypes. BMC Musculoskelet Disord 22, 455 (2021). https://doi.org/10.1186/s12891-021-04332-3

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Whitehurst DG, Bryan S, Lewis M, Hill J, Hay EM. Exploring the cost-utility of stratified primary care management for low back pain compared with current best practice within risk-defined subgroups. Ann Rheum Dis. 2012 Nov;71(11):1796-802. doi: 10.1136/annrheumdis-2011-200731. Epub 2012 Apr 4. PMID: 22492783; PMCID: PMC3465856.

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