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FISIOTERAPIA MÚSCULO-ESQUELÉTICA:
O FUTURO NO PRESENTE

#2
FISIOTERAPIA MÚSCULO-ESQUELÉTICA
EM CONTEXTO HOSPITALAR:
É URGENTE REFLETIR PARA EVOLUIR

Publicado a 11/11/2021

Num momento importante para a profissão de Fisioterapeuta com a criação de uma ordem profissional, onde se exigirá uma autonomia técnico-funcional e independência, bem como capacidade técnica, para a salvaguarda do interesse público e com vista à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos nos melhores cuidados prestados pela Profissão, importa que todos os intervenientes realizem uma reflexão sobre o estado do exercício profissional atual e orientem possíveis mudanças para o futuro.

A área músculo-esquelética (ME) em Portugal em contexto hospitalar está pouco desenvolvida. Não existe conhecimento publicado do que é feito e quais os modelos de cuidados prestados pelos fisioterapeutas a trabalhar nesta área. Ao realizar uma pesquisa sobre trabalhos científicos realizados em serviços públicos nesta área ou quando se procura orientações nos organismos que tutelam ou que promovem o desenvolvimento profissional dos fisioterapeutas sobre a intervenção dos mesmos em contexto ME nos serviços hospitalares, não se obtém conhecimento, orientações ou modelos de prática.

Na verdade, ninguém sabe o que é feito ao certo nesta área em contexto hospitalar em Portugal. Cada serviço tem funcionado separadamente.

Em mais de 20 anos de serviço público, observo que pouco mudou na forma de atuação dos fisioterapeutas nesta área. Mantém-se os sistemas obsoletos de processo (prescrições, procedimentos) onde apenas se contabilizam os utentes tratados através de procedimentos de faturação, existe um desinvestimento institucional em formação contínua e infraestruturas, profissionais pouco motivados, acomodados e pouco atualizados e hierarquias estagnadas, com falta de visão para os serviços que coordenam. Seria fácil desresponsabilizar os fisioterapeutas por esta situação, atribuindo as responsabilidades para o sistema mas, na minha opinião, nós enquanto fisioterapeutas individualmente e a fisioterapia enquanto profissão também somos culpados por esta estagnação na prestação dos cuidados ME nos serviços hospitalares.

Quantos serviços hospitalares têm conhecimento aprofundado dos utentes que tratam nas várias dimensões (caracterização, gestão, clínica) e analisam o registo sistemático dos resultados obtidos para garantir qualidade?

Quantos serviços hospitalares direcionam verdadeiramente a formação dos seus elementos para esta área específica consoante a incidência dos seus casos e como controlam a qualidade do seu desempenho?

A fórmula para a mudança não é fácil, no entanto, na minha opinião pode ocorrer em duas frentes, uma institucional e outra no terreno. Por um lado, terá de haver iniciativa das instituições que tutelam ou que vão tutelar os fisioterapeutas por forma a definir qual o papel da Fisioterapia ME em contexto hospitalar. Deverão criar grupos de trabalho que estudem e caracterizem quer as populações alvo, quer os fisioterapeutas que trabalham especificamente neste contexto, por forma a definir modelos de intervenção e orientações. Seguidamente, será necessário criar pressão nas instituições governamentais para implementar esses modelos por forma a tornarem-se uma mais-valia na diminuição de tempos de internamento e ganhos de função de forma a reintroduzir o indivíduo no seu domicílio, em vez de promover os cuidados continuados, criando uma mais-valia para o SNS.

No terreno, deverá ser iniciada uma mudança de mentalidades, as chefias deverão dar um salto qualitativo, implementando modelos e instrumentos de desenvolvimento profissional com os seus colaboradores, definir áreas específicas de intervenção de acordo com a caracterização dos seus serviços, investir em indicadores quer de produção quer de qualidade, implementar registos sistemáticos e monitorizar os dados de gestão e clínicos, implementar uma autonomia verdadeira dos seus colaboradores de forma a terem a capacidade de, em conjunto com outros profissionais, definirem os objetivos de intervenção e planearem as estratégias de intervenção de acordo com as melhores recomendações, incentivando a formação contínua e atualizada.

Estas mudanças não são impossíveis de efetuar, carecem sim de vontade coletiva de todos os intervenientes. Por exemplo, em 6 anos, o departamento de Fisioterapia do Hospital de Portalegre, caracterizou a população ME, em ambulatório e internamento, mediu resultados clínicos, alterou processos e promove a criação de um software para gestão dos processos com registo clínico, estuda a população continuamente identificando os resultados e fatores preditores. Criou protocolos de intervenção em internamento e atualmente estuda a implementação de um modelo de cuidados multidisciplinares em ME no internamento, de forma a contribuir para a diminuição de custos e com ganhos em saúde. Os fisioterapeutas foram alocados para a área ME, em proporção com a percentagem de casos nesta área no serviço (65%). Este trabalho possibilita, com base em dados quantitativos, refletir constantemente sobre a nossa intervenção e definir caminhos de forma a contribuir para a efetividade dos serviços prestados pela Fisioterapia.

Assim, tomando o exemplo de Portalegre, poderemos multiplicar este tipo de trabalhos e redimensionar a importância do papel da Fisioterapia ME em contexto hospitalar dando um melhor contributo para o Serviço Nacional de Saúde.

 

Carlos Rodrigues

Fisioterapeuta Especialista

Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano - Hospital de Portalegre

Mestre em condições Músculo-Esqueléticas

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